Em documentário, pracinha relata privações, angústias e passagens do conflito na Itália
Flávio Mantovani
Um movimento brusco salvou a vida de Pedro Mariano da Silva durante uma batalha na Itália. O avareense estava na trincheira quando um colega acionou acidentalmente uma granada. Se explodisse ali, o artefato mataria a todos. Pedro não teve dúvidas: deu um tapão na mão do soldado que segurava a bomba. “Ela caiu fora da valeta e ficamos cobertos de terra por causa da explosão”, relata.
Passado o susto, o avareense julgou pertinente uma nova intervenção, desta vez para salvar apenas a vida do soldado desastrado. “Queriam dar um tiro no sujeito. Eu falei que não”, conta Pedro Mariano, emocionado a ponto de interromper a narração.
Esta e outras passagens estão relatadas no documentário “Avareenses: Heróis de Guerra”, dirigido por Cláudio Albuquerque.
Durante um combate em Monte Castelo, os alemães estavam entrincheirados no alto de um morro. Inacessíveis às tropas aliadas, os inimigos comandavam um bombardeio poderoso. Entre uma batalha e outra, jovens rapazes começaram a frequentar o acampamento. “Aqueles caras sem barba, falando puro italiano, estavam ali para saber a nossa posição”, lembra. No entanto, não foi apenas a ousadia dos garotos que o impressionou. “Qualquer alemãozinho daquele era doutor. O ensino deles era bem diferente. Todos no combate eram formados”, diz Pedro Mariano.
A apreensão e as privações começaram ainda no navio, antes mesmo da chegada à Itália. “Nós saímos do Brasil e os alemães começaram a acompanhar a embarcação. Acompanharam a viagem inteira. Quando o navio diminuía rotação, todo mundo saía e olhava para cima. Eles vinham com o aviãozinho. É nós, de baixo, pensávamos: agora vem bomba”. “Só tinha almoço, uma refeição ao dia. Depois eles davam duas laranjinhas para cada um. Eu descascava as laranjas e colocava a casca no bolso. Lá pelas nove horas da noite, mais ou menos, a fome apertava. Então eu comia a casca. Era a coisa mais gostosa do mundo”, rememora no vídeo.
Dificuldades vivenciadas no cotidiano do front também são detalhadas no documentário. “Eu deixava o cantil com água dependurado no pezinho da cama baixinha que tínhamos. Quando era meia-noite, não tinha mais água, era pedra de gelo. Você chacoalhava e não chacoalhava. De tanto frio. A friagem era demais. Não podia acender cigarro. O inimigo estava por ali. Se você acendesse um cigarro, levava bala do inimigo”, relatou.
Pedro Mariano também foi confrontado com um elemento corriqueiro numa guerra: a morte. “Foi coisa medonha. O sujeito caído dava a mão pra gente e falava: se você vir alguém da minha família, conte o que estou passando. Que família? O sujeito estava morrendo e pedindo para contar as coisas. Não é brincadeira não”.
O padecimento de civis também marcou profundamente o avareense. “O mais difícil era ver a criançada e não poder fazer nada. Você via o coitado do moleque já quase morto no campo. Isso era o mais duro. A gente nem conta tudo porque fica nervoso, né?”, confidencia na gravação.
Depois da vitória, os soldados derrotados chegavam em grupos e iam abandonando as armas em um monte. Após esse período, Pedro Mariano e os companheiros puderam percorrer de caminhão quase todo o território italiano e conhecer a Itália das mulheres bonitas. O passeio, no entanto, continuava pontuado por cenas impactantes. “O povo sem ter o que comer. Isso era o mais difícil de se ver”, lamenta o avareense.
SEQUELAS – Mesmo com o fim do conflito e o retorno para a casa, a sombra da guerra perseguiria Pedro Mariano por toda a vida. Já idoso, ele passou a evitar o assunto. “Você fica com aquilo na cabeça. Sabe quantos anos para eu levei para endireitar? Dez anos”, revela.