Gesiel Júnior
Especial para A Comarca
Inteligente, irônico, arrojado… Assim pode ser descrito o avareense Israel Dias Novaes, legendário personagem da política e do jornalismo de São Paulo no século vinte, cujo centenário de nascimento transcorre no próximo 30 de abril.
Entre seus conterrâneos, o segundo filho do cartorário Juca Novaes e de dona Judith Dias Batista era mais conhecido pelo apelido de “Lalá”. Alfabetizado no 1º Grupo Escolar (atual Escola Matilde Vieira), estudou no Colégio Diocesano de Botucatu e cursou Direito na Faculdade do Largo São Francisco, onde iniciou a sua trajetória cultural.
Fundador do jornal acadêmico “O Libertador”, Lalá acabou preso nove vezes por combater a ditadura getulista. Identificava-se profissionalmente como repórter, pois durante 30 anos chefiou a redação do velho diário “Correio Paulistano”.
Conviveu com personalidades de realce na vida nacional e internacional. Foi amigo do grande literato Mário de Andrade e por três vezes encontrou-se com o premiado poeta chileno Pablo Neruda, para entrevistá-lo.
Em 1956, o governador Jânio Quadros o nomeou chefe de gabinete da Secretaria de Governo do Estado. No ano seguinte ele respondeu interinamente como secretário de Governo e nesse período criou a Comissão Estadual de Literatura e o Conselho Estadual de Cultura.
Conferencista, ensaísta e poeta, Lalá publicou apenas um livro, em 1980, “Papel de Jornal”, coleção de ensaios e artigos. Titular por vários anos da Academia Paulista de Letras, ele a presidiu em 1999. Fez parte também da Academia Brasiliense de Letras e da Academia Paulista de Jornalismo.
Em 2006, a Editora Altamira lançou “Revisão de uma Jornada”, uma coletânea de textos selecionados em que Israel Dias Novaes se apresenta lembrando ser pai de cinco filhos: Antônio, Ana Teresa, Maria Amélia, Marina e Maria Eduarda. “Família numerosa, provinda de Avaré e, pela Marina (esposa), paulistana de todos os costados”, revela.
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Prefácio em livro de ministro livrou o deputado do exílio
Israel ingressou na vida parlamentar ao se eleger deputado estadual, em 1958, com 8.434 votos pela União Democrática Nacional (UDN). Reelege-se em 1962 e, após o golpe militar, entra na Aliança Renovadora Nacional (Arena). Em 1966, identificando-se como o “deputado da ponte” (referência à conquista da importante ligação erguida sobre a Represa de Jurumirim), ele conquista sua vaga na Câmara Federal com 38.304 votos.
Embora arenista, Lalá votou contra o pedido de licença solicitado pelo governo Costa e Silva para processar o deputado Marcio Moreira Alves. Teve então o seu mandato cassado pelo AI-5 em janeiro de 1969. Contudo, ele não perdeu seus direitos políticos e nem foi exilado, graças à intercessão de um amigo que o defendeu durante reunião do Conselho de Segurança Nacional: o major Jarbas Passarinho. O deputado avareense, afinal, era o signatário do prefácio do livro “Terra Encharcada”, publicado pelo então ministro da Agricultura.
Cinco anos depois, já filiado ao Movimento Democrático Brasileiro (MDB), volta ao Congresso Nacional obtendo 67.040 votos. Passa a ardilosamente contestar ações arbitrárias do regime militar. Escolhido como vice-líder emedebista, presidiu a Comissão de Cultura e depois a CPI do Índio. Convidado, saudou o rei Carl Gustav e a rainha Sílvia, da Suécia, durante visita ao Congresso.
Reeleito em 1978, com 54.707 votos, mais experiente, Lalá tornou-se vice-presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara e assim representou o Brasil como delegado ao Congresso da Unesco, em Montreal. Integrante da delegação de parlamentares que viajou ao Japão, Romênia, França, Itália, Estados Unidos, Canadá e Hungria, ocupou a tribuna da ONU, em Nova Iorque, para discorrer sobre a problemática cafeeira.
Após quatro mandatos na Câmara Federal, Lalá encerrou sua carreira política em 1986, passando a se dedicar inteiramente a atividades acadêmicas. Enamorado das estantes, ele foi um respeitado bibliófilo, dono de um acervo de mais de 30 mil volumes ricamente encadernados. Neles há preciosidades como cartas trocadas entre Dom Pedro I e a Marquesa de Santos e os originais datilografados do clássico “Raízes do Brasil”, com emendas feitas de próprio punho por Sérgio Buarque de Holanda.
A propósito, alguns meses antes de morrer, Lalá doou milhares de livros da sua coleção pessoal para bibliotecas públicas e particulares de Avaré. Aos 89 anos, em 6 de junho de 1999, um infarto o tirou do nosso convívio.
Amigo pessoal da escritora Lygia Fagundes Telles, ela assim o descreveu: “As memórias de Israel Dias Novaes me parecem tão fiéis aos sonhos da sua juventude. Penso agora que é devido a isso que nos transmitem com tanta força esses laivos de coragem. E de esperança”.
Legenda/painel – O deputado em quatro tempos: menino estudante em Avaré, jornalista em São Paulo, deputado federal em Brasília e nos últimos anos.