DestaqueEnsinar com afeto, a melhor lição da octogenária que forma educadores

Aos 80 anos, educadora avareense louva seus formadores e a sua gratificante passagem pela escola pública
A Comarca30 de agosto de 202015 min

Gesiel Júnior

Especial para A Comarca

“Tenho um tributo de gratidão para com a escola pública que me formou não só como profissional, mas como pessoa. Em retribuição, venho atuando para ajudar a formar pessoas para trabalhar muito bem com os seus alunos”. Essa frase sintetiza a admirável trajetória da educadora avareense Laurinda Ramalho de Almeida que, no último dia 25, completou 80 anos de vida, dos quais mais de 55 totalmente devotados à orientação e à formação do magistério paulista.

Graduada em Pedagogia, Laurinda tem especialização em Orientação Educacional na Universidade de São Paulo (USP) e depois obteve o mestrado e o doutorado em Psicologia da Educação na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC), onde atualmente coordena o curso de estudos pós graduados há mais de duas décadas.

Antes ela lecionou, foi orientadora educacional, diretora e supervisora na rede pública e em órgãos centrais da Secretaria Estadual de Educação, além de ter por 17 anos preparado professores de Pedagogia nas Faculdades Oswaldo Cruz, na capital, cuja diretoria geral, em 1996 a nomeou, por mérito, coordenadora de área de Filosofia, Ciências e Letras do seu Centro de Pós-Graduação e Pesquisa.

Como professora da pós graduação da PUC, hoje Laurinda orienta alunos de mestrado e doutorado, sendo que de seu currículo Lattes constam 116 orientações concluídas e 13 em andamento. Incansável, ela ainda é professora do Mestrado Profissional em Educação e se tornou no meio acadêmico especialista nos temas afetividade, relações interpessoais e na capacitação de coordenadores pedagógicos, sendo com frequência convidada para ministrar conferências.

Em Avaré, onde residem seus familiares, ela mantém casa e, quando suas atividades permitem, a frequenta em fins de semana. Em outubro de 2011, convidada pela Secretaria Municipal da Educação, a doutora falou aos professores conterrâneos sobre “Afetividade e Aprendizagem”, tema que mais a fascina na condição de seguidora do filósofo e psicólogo francês Henri Wallon (1869-1962). Emocionada, considerou aquele momento na terra natal “muito especial” na carreira.

Dona de vasta produção científica, Laurinda publicou 22 livros como autora e organizadora, além de assinar artigos em periódicos. Individualmente escreveu “Ensino noturno”, lançado em 2010 pela Edições Loyola, resultado de sua tese de doutorado. “Neste livro trato de experiências que vivenciei como profissional da educação e como pesquisadora. Nele apresento um determinado cenário da escola pública noturna – um cenário de sucesso – e as pessoas que o compuseram, com seus pensamentos, emoções, sentimentos, esperanças e desesperanças”, revela.

“Sem dúvida, Laurinda Ramalho de Almeida é uma intelectual que muito tem contribuído para a formação de professores e para a educação brasileira”, enfatiza a professora Regina Célia Prandini, doutora em Psicologia da Educação da PUC-SP, colega que reconhece a grandeza da mestra octogenária que, como poucos, ama e generosamente se desdobra pela causa do ensino no país.

Menina alfabetizada no sítio se tornou doutora em Psicologia da Educação

Aluna de uma escola rural multisseriada na qual na mesma sala de aula estudavam crianças de diferentes anos do Ensino Fundamental, a educadora Laurinda Ramalho de Almeida morou num sítio perto da cidade, que pertencia a seus pais Maria Amaral e Josias Ramalho.

“Quem dava aula na escola ali erguida por meu pai era a professora Rosa de Araújo, de quem tive uma influência muito boa. Ela vinha de jardineira bem cedo, mas só voltava no fim da tarde. Ela fez muito mais do que me ensinar a ler e escrever, pois com ela também aprendi a bordar e a cozinhar”, diz, recordando-se também da ajuda da avó, de confissão presbiteriana, que a alfabetizou precocemente motivando-a a folhear as páginas da Bíblia, cujas letras góticas iniciais eram decoradas com pequenas flores.

Ao se mudar para Avaré Laurinda matriculou-se no Grupo Escolar Maneco Dionísio, em fins dos anos 1940, quando foi aluna da professora Maria de Lourdes de Moura Leite. “Embora enérgica e exigente, com ela aprendi lições de sensibilidade e de respeito ao aluno”, revela, recordando-se de que então seu uniforme era saia azul marinho e blusa branca com o emblema da escola.

Concluído o primário a menina fez o exame de admissão e ingressou no Ginásio Estadual Cel. João Cruz. Com respeito menciona o professor Francisco Rodrigues dos Santos, o Chicão, ex-padre que dava aulas de Português. No currículo teve também Latim, Matemática, Ciências, Inglês, Francês, História, Geografia, Música, Artes e Economia Doméstica.

Diplomada no curso ginasial, Laurinda foi a oradora da turma, em 1954. Decidiu em seguida cursar simultaneamente o Científico, de manhã, na mesma escola e o Normal, à noite, no Instituto Sedes Sapientiae, colégio particular dirigido pelo monsenhor Celso Ferreira. “Foi lá na ‘Escola do Padre’ que descobri que eu gostava de tudo o que se relacionava com o ensino”, conta.

Nesse período decisivo Laurinda teve bons mestres, dentre os quais se sobressaiu dona Lina Brandi, hoje com 98 anos, que lhe dava aulas nas duas escolas. “Ela nos ensinava não só a Sociologia, pois fazia a ligação muito grande com a cultura. Por sua recomendação li bons livros como ‘Terra dos Homens’, de Saint-Exupéry e assim tive como discutir solidariedade”, lembra com saudade.

Concluído o curso Normal a moça fez o de aperfeiçoamento no “Cel. João Cruz”, quando, pela primeira vez estudou Psicologia da Educação. Na época, incentivada pelo diretor da escola, João Soares de Almeida, ela, por ter obtido a maior média, ganhou a cadeira prêmio e assim já se efetivou como professora, o que lhe possibilitou fazer o curso de Pedagogia condicionada. “Como não ser grata a ele? Foi quem me mostrou o caminho, pois nem saberia disso se ele não me tivesse apontado”, diz, agradecida.

Mestra e mãe – Estudiosa muito aplicada, Laurinda escolheu ser professora por vocação. Suas irmãs Thereza, Elza, Maria de Lourdes e Ana Nilda também cursaram o Normal. Na família Ramalho apenas o caçula, Rubens José, é que enveredou pela Engenharia Civil.

Pois bem, para se especializar a jovem avareense foi cursar Pedagogia na USP, em 1963. Nessa época já namorava o conterrâneo Dulcídio Pedry de Almeida, filho do jornalista Francisco Dias de Almeida, decano da imprensa paulista, e de Júlia Mauá Pedry Almeida, lojista que foi a primeira mulher a presidir uma Associação Comercial no Brasil. Os dois se casaram em 30 de maio de 1964 e da união brotou um casal: Juliana, empresária em São Paulo, que lhes deu os netos Paulo e Maria Júlia, e Daniel, que mora nos Estados Unidos, pai de Daniela e de Fernanda.

A propósito, Laurinda soube conciliar, auxiliada pelo marido Dulcídio, as tarefas de esposa e de mãe com as do magistério. Deu aulas, em 1965, numa escola do bairro da Mooca e depois atuou como orientadora na fase em que o ensino público passou por renovação até que a Secretaria da Educação a incumbiu de ajudar os professores a prepararem seus próprios planos pedagógicos no começo da década seguinte.

Atualmente, com sua ampla experiência, além de orientar futuros mestres e doutores, Laurinda liderou o Grupo de Pesquisas Bases da Psicologia da Educação no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), área na qual doutorou-se.

Grata por ter tido bons professores que a ajudaram a se constituir como pessoa, ela vê que a afetividade no cotidiano escolar faz a diferença em todos os níveis de ensino. E é o que a move a ensinar, pelas lentes psicológicas, ser o afeto na aprendizagem o fator que pode transformar existências. Afinal, ela própria, Laurinda, é uma tocante prova dessa verdade.  (GJ)

Algumas lições de Laurinda

«A escola é uma oficina de convivência.»

«O ensino é, por excelência, uma atividade relacional e intencional.»

«O professor mostra ser bom na relação com o aluno na medida em que consegue se mostrar como gente que é, antes de ser professor.»

«A escola tem que se comprometer com a formação da pessoa tranquilamente.»

«A missão do professor é educar a sensibilidade do aluno, ensinando-o a enxergar esse mundo confuso que aí está e atribuir um sentido às coisas.»

«O importante é formar educadores preocupados não só em desenvolver a razão, mas o sentimento e a vontade.»

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