POR GESIEL JÚNIOR
Embora a sua vasta atividade como pregador e autor de livros teológicos tenha repercutido no meio evangélico, o avareense Enéas Tognini é mais um ilustre desconhecido em sua própria terra natal, onde ainda pouco se sabe da relevância do seu ministério pastoral e de suas iniciativas missionárias como pregador da Igreja Batista.
De ascendência italiana, os seus pais deixaram a região da Toscana e se fixaram no sudoeste paulista para trabalhar nas lavouras de café, no começo do século vinte. Enéas, um dos filhos do casal Letizia e Adolfo Tognini, nasceu em Avaré no dia 20 de abril de 1914 e foi alfabetizado no 1º Grupo Escolar, a atual Escola Matilde Vieira. Ainda na infância transferiu-se para São Paulo e, aos 18 anos, quis batizar-se na confissão batista, ainda que integrasse uma família de origem católica.
Atraído pela doutrina cristã protestante, o jovem graduou-se em Teologia pelo Seminário Batista do Sul do Brasil, no Rio de Janeiro. Em 20 de maio de 1941 foi ordenado pastor e assumiu a Igreja do Barro Preto, em Belo Horizonte (MG). De lá transferiu-se para a capital paulista para pastorar a Igreja Batista de Perdizes, onde permaneceu por dezoito anos. Em 1957, fundou a Faculdade Teológica Batista de São Paulo, onde deu aulas de várias disciplinas.
Em 1963, para deter o que considerava uma “ameaça vermelha”, o reverendo Tognini coordenou o Dia Nacional de Jejum e Oração pelo Brasil, cuja intenção era evitar que os comunistas invadissem o país. Para ele uma resposta divina foi dada quando os militares tomaram o poder. “Um grupo de brasileiros acha que a revolução de 1964 foi política e cometeu muita injustiça. Não importa, o importante é que Deus fechou a porta para o comunismo. Para nós, evangélicos, o maravilhoso resultado foi liberdade para anunciarmos a palavra de Deus”, declarou numa entrevista.
EXPULSÃO, RENOVAÇÃO E RECONCILIAÇÃO – Na época o pastor Enéas decidiu abraçar o pentecostalismo e tornou-se um avivalista renovado, o que lhe rendeu o rótulo de apóstata. Como sua postura influenciou outros pastores, ele foi expulso da Convenção Batista Brasileira (CBB), fundada em 1907, que reúne o maior número de batistas no país.
“O batismo no Espírito Santo concede poder ao homem, mas também o aproxima mais de Deus”. Assim ele reafirmava sua crença baseada na narração do Pentecostes no livro dos Atos dos Apóstolos. Tornou-se então um evangelista itinerante e percorreu o país viajando de ônibus, sendo pioneiro na pregação às igrejas tradicionais e históricas sobre a contemporaneidade dos dons espirituais descritos na Bíblia, como falar em línguas estranhas, curar os enfermos e profetizar.
Em seguida, o ministro religioso avareense esteve entre os fundadores da Convenção Batista Nacional em 1967, integrada apenas por pastores brasileiros e considerada o braço carismático dos batistas no país. Ele a presidiu entre os anos de 1983 e 1995, e que hoje conta com mais de 400 mil membros em 2.700 igrejas. Nessa fase desenvolveu diversas atividades docentes, tendo sido professor e orientador educacional nos meios secular e eclesiástico. Lecionou Sociologia, Filosofia e Teologia em diversas instituições, como o Colégio Batista Brasil e o Seminário Teológico Batista Nacional, por ele criado em 1982 e que hoje leva o seu nome, onde ensinou Geografia da Bíblia, Novo Testamento e Eclesiologia.
Casado com Nadir França Lessa, o pastor Enéas teve as filhas Dinéa, Edna e Noemi. Anos depois da morte da primeira esposa, casou-se com Élia da Costa, formada pelo Seminário Batista do Rio de Janeiro e em Sociologia, pela PUC-SP. Em 1981, ele fundou a Igreja Batista do Povo, na Vila Mariana, em São Paulo, onde compartilhou modestamente o seu ministério com a família até 1999.
No ano 2000, a Convenção Batista Brasileira (CBB) promoveu formalmente a reconciliação com o seu antigo pastor, que havia sido dela desligado por defender a renovação carismática entre os batistas tradicionais.
Pregador batista escreveu 48 livros
Escritor produtivo, Enéas Tognini publicou 48 livros, incluindo a sua autobiografia, o que garantiu-lhe uma cadeira na Academia Evangélica Brasileira de Letras. Apesar de seu ministério ter sido polêmico pela cisão causada entre os batistas no país, a ele é atribuída a renovação pentecostal de muitas comunidades.
Por mais de 30 anos o pastor cooperou com a Sociedade Bíblica do Brasil, tendo sido o presidente do Conselho Administrativo da Gráfica da Bíblia, da mesma SBB, entre 2003 e 2006, até ser eleito, em 2009, presidente de honra em caráter vitalício. Ocupou também a vice-presidência do Conselho de Pastores do Estado de São Paulo.
Condecorado com o título de Cidadão Paulistano em 2002, ao festejar o seu centenário de nascimento em 2014, tomou parte da inauguração do Memorial Enéas Tognini, criado para perpetuar a sua história como um dos principais avivalistas e evangelistas do Brasil.
Tognini morreu no ano seguinte, aos 101 anos de idade, no dia 9 de setembro de 2015 e foi sepultado no Cemitério São Paulo, na capital. Hoje, a sua extensa experiência pessoal, espiritual e ministerial, ainda que não seja unanimidade entre seus pares, certamente é reconhecida e respeitada por muitos.
“Um gigante na evangelização e um guerreiro na oração”. Assim o definiu o pastor Cláudio Eli, ex-presidente da Convenção Batista Nacional, ao sublinhar que o pastor Enéas “nunca buscou luxo, nem dinheiro e não mercantilizou a fé”.
Em 2017, a Assembleia Legislativa aprovou por lei dar o nome do pastor Enéas Tognini à estação do metrô da Vila Mariana, em São Paulo, mas a homenagem gerou polêmica e desagradou o público por conta da divulgação de que ele havia apoiado o golpe militar de 1964. Entretanto, o então governador Geraldo Alckmin transferiu o preito dando o nome do religioso veterano nascido em Avaré à Faculdade de Tecnologia localizada no bairro do Ipiranga, em São Paulo, que passou a ser denominada Fatec Pastor Enéas Tognini. (GJ)