Audiência Pública expõe as polêmicas do Plano Diretor
Além de ameaçar vereadores por causa da CPI, ex-presidente do PD não explicou a suposta ilegalidade da cobrança do EIV, disse que existe preconceito dentro do órgão, que os membros do conselho são leigos e que os critérios são “subjetivos”
Da Redação
Alvo de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (ver texto nesta edição), o Conselho Municipal do Plano Diretor (CMPD) de Avaré teve várias de suas polêmicas expostas durante audiência pública realizada na quarta-feira, 11, na Câmara de Vereadores.
Comandada pela presidente da Câmara Bruna Silvestre, a audiência teve a participação dos vereadores Rosângela Paulucci, Marcelo Ortega, Ernesto Albuquerque, Barreto do Mercado e David Cortez, além de diretores e membros do CMPD.
A reunião teve como objetivo discutir conceitos e diretrizes do processo de revisão da Lei do Plano Diretor (PD), bem como debater os projetos legislativos que visam sustar as resoluções emanadas pelo conselho.
Mas no decorrer da audiência, as respostas evasivas e provocações por parte do ex-presidente do Conselho, Marcos Boock Rutigliano, tiraram o foco da reunião. Além de não responder diretamente aos questionamentos, Boock chegou a ameaçar os vereadores com ação judicial em virtude da CPI.
Na abertura, o atual presidente do CMPD, Eduardo Zanella, falou da possibilidade de uso da Câmara para as reuniões, o que evitaria o pagamento do aluguel de R$ 2,4 mil pela cessão de salas da Associação Regional dos Engenheiros e Arquitetos de Avaré (AREA). Mas, segundo ele, é necessário que o Legislativo também oferecesse “projetores, lanches, café, água e biscoito, cópias, xerox e funcionários”.
MAPA IMPERFEITO – Em seguida Marcos Boock fez uma longa explanação com uma série de colocações técnicas a respeito do PD, destacando que o plano foi elaborado em cerca de 10 meses. “Isso é pouco tempo para elaborar com coesão” e acrescentou: “Nosso mapa é imperfeito”, destacando ainda que as resoluções têm sido criadas “…para solucionar as questões omissas ou mal definidas”. Ele disse ainda que o CMPD tem atuado para “…ocupar os espaços em que o Executivo e a Câmara se mostraram omissos”.
Bruna Silvestre questionou a exigência do Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) por parte do PD, sem base legal. “Como vocês cobram alguma coisa, se isso tem que ser regulamentado em lei? Qual o critério para a cobrança do EIV?”. Marcos Boock citou vários artigos, mas não esclareceu a inexistência de lei regulamentando a exigência do EIV.
Já o empresário Paulo Silva Junior citou que o artigo 87 do Estatuto das Cidades menciona que a lei precisa ser regulamentada, e que a Câmara pretende editar uma legislação específica para o EIV na cidade. Boock argumentou, mas não apresentou dados oficiais que legitimassem a exigência do EIV sem lei aprovada pelo Legislativo. A resposta do ex-presidente do PD não dirimiu as suspeitas de que a exigência do EIV em Avaré seria ilegal.
Na sequência, Marcos Boock voltou a falar que existe preconceito contra casa noturna dentro do PD. “Olha, nós somos preconceituosos, eu sou preconceituoso. Eu falei que tenho preconceito contra casa noturna, mas não por igreja, porque os conceitos são diferentes”.
QUESTIONAMENTOS – Afirmando que o conselho é composto por leigos, o ex-presidente disse que os julgamentos são subjetivos. “Nós dispensamos o EIV em alguns locais devido à simplicidade dos critérios que poderiam ser estabelecidos. Dispensamos igrejas, funilarias, lava rápidos, borracharias”, observou.
Paulo Silva questionou a fala de Boock, afirmando que se há preconceito dentro do PD, o conselho deveria se atentar à lei. “Uma resolução de pessoas leigas ou que deliberam preconceituosamente, muitas vezes ignoram o que o texto da lei diz. Entendo que, quando se fala de lei, muitas vezes o conselho falha. Está prevalecendo o preconceito e as opiniões de leigos”, disse.
Surpreendentemente, ao invés de responder, Marcos Boock atacou o empresário ao apresentar no telão um parecer do Ministério Público desfavorável ao funcionamento da Office Lounge, casa de eventos do qual Paulo Silva é proprietário, ao mesmo tempo em que a secretária do PD leu o documento (ver texto nessa edição).
Visivelmente constrangido, o empresário falou do desvio do assunto por parte do ex-presidente. “Em relação às decisões tomadas pelo CMPD, eu questionei não o meu caso, que foi exposto agora, e sim baseado na declaração de que o conselho é leigo e deve tomar decisões baseados na lei. Não estou falando do meu caso, e sim de todos os casos que possam vir a acontecer”, rebateu, acrescentando: “Não estou aqui hoje para defender uma causa, mesmo porque minha causa já está sendo defendida na Justiça. Por isso que eu falo sobre ter um conselho preconceituoso que refletirá no município inteiro. Quando deveria tomar decisões técnicas baseadas no texto da lei, criam-se resoluções”. Boock não respondeu, mudando de assunto.
MUDANÇA DE FOCO – O radialista Zenna Araújo questionou a exposição do caso da Office Lounge na audiência. “Mudaram o foco da reunião. Embora leigos, estão mexendo com o dia-a-dia das pessoas, e quando colocam o preconceito para tomar decisões públicas estão distorcendo a finalidade do conselho. Isso joga por terra toda credibilidade do conselho”.
Para Marcos Boock, o impacto de uma casa noturna é diferente de uma igreja, tese que teve discordância de Bruna Silvestre: “Depende da igreja. Tem uma igreja perto da Câmara que parece que o hino está sendo tocado aqui dentro”. Segundo ela, todos deveriam seguir o mesmo rigor, o mesmo Estudo de Impacto de Vizinhança.
Já para Boock essa distorção pode ser corrigida no momento da revisão do PD. “Pode ser proposto e colocado que igrejas e casas noturnas tenham o mesmo impacto. Mas acontece que o consenso deste PD acha que não”.
Outra questão debatida foi a resolução sobre a alteração da porcentagem de uso de solo para determinadas áreas da cidade, de 65% para 100% da área construída. A vereadora Rosângela Paulucci citou prédios que têm 100% de ocupação do terreno e questionou como seria a adequação dessas construções. Marcos Boock não deu uma resposta clara sobre a questão e Zenna Araújo disse que a resolução do PD seria “encomendada”. “Se a lei já exigia 65% de ocupação máxima, 15% de impermeabilidade, e os terrenos que já existiam não tem que se enquadrar nesses quesitos, não entendi a necessidade da resolução. Mas se um grupo de empresários viu a necessidade de construir 100%, para não contrariar seus interesses, o Conselho cria uma resolução encomendada”, acusou.
ESPAÇO DE DISCUSSÃO – O empresário Rodrigo Vilella citou que, ao alterar atos do PD, a Câmara poderá obstruir a cidade. “O desenvolvimento na cidade só está ocorrendo porque a resolução existe. Sem ela, a cidade ficará cheia de prédios velhos. Não se pode tomar decisões equivocadas por motivos políticos, por pessoas que não têm conhecimento aprofundado na área central. O espaço para discutir isso é o Plano Diretor”, disse. “Estamos indo contra algo que a própria federação oferece como recurso para viabilizar o crescimento”.
Segundo ele, o Plano Diretor conta com “…mais de 40 organizações da cidade participantes, mais de 200 membros que se revezam participando, mais de mil pessoas cadastradas que dão suas opiniões através de e-mail. Aquilo é muito mais público do que o que se está fazendo aqui hoje”.
Já Eduardo Zanella disse que, como os vereadores eleitos tiveram 33% dos votos da cidade, representam “somente” 16 mil eleitores, destacando a legitimidade do CMPD. “Até agora só estamos levando pancada. Estamos fazendo coisa errada? Não. Estamos cumprindo a lei, às vezes acontece de cometer exorbitâncias, ninguém é perfeito”.
AMEAÇA – Sobre a CPI, Bruna Silvestre disse que o foco é a investigação de casos passados e em resposta, Marcos Boock ameaçou os vereadores que assinaram a CPI de terem cometido uma irregularidade. “A CPI vai ser um atestado de improbidade administrativa dos 5 vereadores. Vai ser revertido esse caso, o desfecho será desagradável para vocês mesmos”, acusou.
Para o vereador Ernesto Albuquerque, a CPI nasceu morta. “Insanidade querer sustar a resolução, peço à presidente Bruna que retire esse projeto. Tem que ser derrotado se ela insistir em votar”.
Zenna acusou o conselho de negar acesso a documentos públicos e disse ainda que os 13 vereadores representam a cidade, e que não se pode reduzir a capacidade e a autoridade da Câmara por causa de uma opinião pessoal.
Vilella defendeu o Plano Diretor e disse que estão lá em 60 pessoas “… que estão discutindo uma resolução há 10 minutos, que foi discutida por mil pessoas por 10 horas, por meses… a gente tem condições de decidir melhor”. E criticou a discussão. “Porque esperar os outros fazerem o trabalho, não trazer nada para agregar àquela decisão e na hora que a decisão foi tomada querer criticar?”, dizendo que essa seria uma atitude “covarde”.
Em resposta, Bruna pediu respeito. “Vir aqui e falar que não representamos nada é complicado, e falar que não podemos criticar uma coisa que já foi feita também é complicado. Vamos ter respeito, pensar bem nas palavras”. Ela também perguntou se o CMPD teria como atribuição mandar ofício para o Corpo de Bombeiros pedindo para não autorizar um Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB). Boock disse que seria competência do Conselho tal atribuição. Zenna discordou, alegando que em entrevista o próprio Marcos Boock disse exatamente o contrário, e mencionou casos de resolução transitória, como a do membro do CMPD Marcelo Nassif, que se beneficiou de um ato do PD se utilizando de um ofício em nome de uma emissora de rádio. “O caso do Nassif foi reconhecido com apenas uma carta, o caso da Office Lounge, com 5 cartas, não foi reconhecido. Queria entender por que 2 pesos e 2 medidas”.
Teve início uma grande discussão, envolvendo vários casos particulares, mas não houve resposta ao questionamento do radialista. Após uma fala de Rosângela Paulucci defendendo o CMPD, a audiência foi encerrada pela presidente Bruna Silvestre.