No início da noite de 15 de novembro, a cabeleireira Fernanda Saulo Carrara, de 43 anos, foi acompanhar a apuração da eleição municipal na residência de um casal de amigos. Candidata a vereadora em Piraju, ela tentava dar ao domingo ares de um dia normal. Nem se produziu: foi usando tênis, bermuda e moletom. Com o atraso na atualização do resultado oficial, começaram a circular pelo WhatsApp listas com o nome dos supostos eleitos.
Fernanda não aparecia em nenhuma delas. Conformada, foi para casa, já após as 23 horas. Assim que chegou, recebeu uma mensagem da sobrinha, que dizia que Fernanda tinha sido eleita. Já passava da meia-noite quando a candidata conseguiu, enfim, confirmar a informação. Tornava-se a primeira mulher transexual eleita na história da cidade.
“Quando a ficha caiu, um filme passou na minha cabeça, com tudo que eu passei, com tudo que eu já sofri. Eu não sou uma coitadinha, não é isso. Mas por ser trans, eu tive que aprender a transformar os ‘nãos’ em ‘sim'”, disse a vereadora eleita. “Não é uma conquista só minha, mas de muita gente que não é vista, que não é lembrada. Os 361 votos que eu tive são como se eu tivesse tido 1 milhão [de votos], por ser uma cidade tão pequena, tão conservadora”, acrescentou.
Fernanda não se considera de esquerda, nem propriamente uma militante. A pirajuense nunca fez parte de um grupo organizado, não militou em ambiente universitário, mas diz que sempre lutou por inclusão e igualdade. Aproximou-se da política partidária em 2006, para fazer campanha para o deputado Gil Arantes (DEM). “Eu nunca tinha sido respeitada como fui no meio político. Queria que todos como eu fossem respeitados daquele jeito. Vi que aquele era o caminho”, disse. Em 2008, candidatou-se pelo DEM, mas ficou como suplente. Em 2020, Fernanda se filiou ao PTB três meses antes da eleição. Sua presença no PTB mostra que, embora as candidaturas LGBTI + sejam mais frequentes em partidos de esquerda, elas também apareceram ao centro e à direita. Pelo levantamento da Antra, das trinta pessoas trans eleitas, onze estão em siglas consideradas de centro, dezesseis em partidos de esquerda e três, de direita.
A eleição da primeira mulher trans recebeu acenos positivos em Piraju. Dois dias após a votação, Fernanda recebeu, por uma rede social, uma mensagem do padre Gilberto Moretto, parabenizando-a pela eleição. Vereador eleito para seu terceiro mandato, o fiscal de rendas da prefeitura e ex-sacristão Valberto Zanatta (PSDB) conhece todos os que vão compor a Câmara na próxima legislatura e acredita que Fernanda não deve encontrar “interferências” em razão de sua identidade de gênero. O prefeito José Maria Costa (DEM), de 75 anos, reeleito, mas cuja candidatura está sub judice, disse que Piraju mostrou nas urnas que não tem preconceito e que a vereadora tem condições de fazer um trabalho histórico.
1 comments
Felippe Aníbal
5 de janeiro de 2021 at 18:35
A reportagem foi escrita por mim e publicada originalmente no site da revista Piauí. Uma pena a falta de créditos e de autorização para publicação