O dono da cadeira: o manduriense João Nascimento e seus quase 40 anos de vereança
Flávio Mantovani
Da Redação
Às vésperas do início de mais uma sessão ordinária, a Câmara Municipal de Manduri está praticamente vazia. Os poucos interessados em acompanhar os trabalhos legislativos estão espalhados pelo auditório que não comporta mais de 40 pessoas.
Numa sala reservada a parlamentares e funcionários, vereadores tomam o último cafezinho antes da chamada. Já perto de seu assento, João Aparecido Nascimento ajusta a gravata, fecha os botões do paletó e se acomoda com certa solenidade. E só volta a se colocar de pé antes da leitura de um trecho da Bíblia Sagrada.
Aos 61 anos, o peemedebista passou mais da metade da vida na vereança e desponta como um dos parlamentares do país há mais tempo em atividade. Ele jura que seu trabalho não é norteado pela perseguição a qualquer título, mas não esconde o orgulho de ter uma cadeira cativa desde 1982. “Claro que seria muito bom ser o vereador com o maior número de mandatos consecutivos no país”, reconhece.
RECONHECIMENTO – Embora sua condição seja comumente lembrada por integrantes de seu círculo social e, com alguma frequência, invocada por interlocutores durante visitas oficiais à Assembleia Legislativa e secretarias estaduais, a trajetória ganhou ares mais graves nos últimos tempos: o feito foi reconhecido até pelo governador Geraldo Alckmin. Durante um ato público no interior, o tucano foi taxativo. “Como é que está o vereador com oito mandatos?”, disse ao avistá-lo entre as outras lideranças presentes. Tempos antes, durante uma passagem pela cidade de Coronel Macedo em fevereiro de 2015, Alckmin já demonstrara interesse em relação à engenhosidade do manduriense. “Como é que você faz para conseguir se eleger tantas vezes?”, teria questionado o peessedebista.
Apesar de longevo, Nascimento está longe de desbancar a marca do também peemedebista Liberato Costa Júnior, que permaneceu por 56 anos como vereador na Câmara Municipal de Recife. Só nas últimas eleições o cacique de 96 anos ficou sem uma cadeira.
MÉRITO – No entanto, é a queda de outro concorrente, agora dentro do próprio estado, que o coloca numa situação aparentemente favorável. Depois de quase 30 anos na Câmara Municipal de São Paulo, Wadih Mutran (PP), 76 anos, não conseguiu se reeleger em 2012.
Se a marca do recifense é praticamente impossível de ser superada, o revés de Mutran habilitaria Nascimento a pleitear o título pelo menos dentro do próprio estado, o que já seria um mérito para o morador de uma cidade com 8.992 habitantes, segundo o Censo 2010. Isso, é claro, se não fosse uma pedra no sapato chamada Milton Capel: o vereador pelo PV de Diadema já está em seu nono mandato consecutivo e, ao que tudo indica, pretende buscar o décimo.
Nascimento se insere no vasto catálogo de homens públicos que também ocupam cargos efetivos. No interior de São Paulo, motorista de ambulância é a função que encabeça a lista de profissões que garantem vaga certa ao parlamento municipal. João, todavia, está numa categoria menos numerosa, mas ainda sim bastante exitosa na região: é investigador da Polícia Civil, instituição na qual ingressou em 1992, quando já tinha dez anos de Legislativo.
TRADIÇÃO – Mesmo sem a confirmação oficial se está pelo menos próximo do pódio, uma vez que o Tribunal Regional Eleitoral não mantém um banco de dados sobre o assunto e o levantamento teria que ser feito entre as 645 câmaras municipais do estado, João não quer perder terreno para potenciais concorrentes. Seguindo a tradição de mais de três décadas, ele deve pleitear o nono mandato este ano. E diz que só para quando Deus quiser.
Perguntado sobre a possibilidade de um dia ficar de fora do parlamento municipal em caso de um revés nas urnas, Nascimento já tem a resposta na ponta da língua. “Pelo menos vão ter que me dar a cadeira, né?”, graceja, com um sorriso contido.