Médicos cubanos relatam experiência em unidades de saúde de Avaré
Da Redação
Pouco antes das 7 horas, o médico cubano Miguel Angel Muñoz chega à unidade de saúde do Bairro Alto. Com estetoscópio, caneta e receituário à mão, o estrangeiro inicia o atendimento aos pacientes.
Miguel é um dos seis cubanos que vieram a Avaré por intermédio do Programa Mais Médicos, do Governo Federal. Além do Bairro Alto, os estrangeiros atuam nas unidades do Bonsucesso, Vera Cruz, Jardim Brasil e Paraíso. A estratégia da municipalidade é descentralizar o atendimento, facilitando o acesso da população à rede municipal de saúde, além de desafogar o Pronto Socorro.
Essa não é a primeira vez que o clínico geral trabalha em outro país. Com 22 anos de medicina e especialização em pediatria, ele já atuou na Venezuela e Gana, na África. O cubano também já prestou atendimento por cerca de um ano em Nauru, uma pequena ilha localizada no Pacífico.
Por conta das experiências anteriores, adaptar-se à rede pública de saúde local não foi uma grande dificuldade. “Todos os países têm diferenças no sistema de saúde, como na forma de escrever receitas médicas por exemplo. No entanto, é perfeitamente possível adaptar-se. O importante é compreender o paciente e tratá-lo adequadamente”, avalia Muñoz em entrevista à Comarca.
Segundo o médico, a diferença entre o espanhol e o português não é um problema. “Entendo praticamente tudo que o paciente diz e só encontro alguma dificuldade quando a pessoa fala muito rápido. Há até quem acredite que eu seja brasileiro, mas de outra parte do país”, brinca.
Ainda assim, ele nota curiosidades relacionadas à língua. “Exquisito em espanhol significa muito saboroso. Aqui a palavra esquisito, que é bem parecida, significa outra coisa”, observa.
Na avaliação de Miguel, o brasileiro é culturalmente parecido com o cubano, o que contribui para a adaptação dele e dos outros cinco companheiros. O clínico cita como exemplo a calorosa recepção que tiveram no país. “O povo brasileiro é muito bom e agradável. Já sinto como se aqui fosse a minha casa”, diz.
A opinião é compartilhada pela médica Danae Santos Lorenzo, esposa de Miguel, que dedicou 16 dos 19 anos de medicina à psiquiatria. “Fomos excelentemente acolhidos. É incrível a educação do povo de Avaré. As pessoas têm sempre um sorriso no rosto, você é bem recebido nos locais públicos. Ficamos admirados com isso”, revela a profissional que atende na unidade de Saúde do Bairro Vera Cruz.
A calorosa receptividade brasileira ajudou a amenizar uma questão de ordem pessoal. “Temos uma filha de quase quatro anos que ficou em Cuba. Por isso, viemos um pouco tristes. Mas a maneira como fomos recebidos nos ajuda a superar a dor da separação”, revela. Para o casal, a possibilidade de trazê-la para o Brasil já começa a se firmar diante da boa adaptação.
MEDICINA PREVENTIVA – A medicina cubana é conhecida pelo caráter preventivo. “O mais importante é evitar que as pessoas fiquem doentes ou tenham complicações em decorrência de uma enfermidade”, continua Miguel.
No entanto, os profissionais enfrentam a dificuldade do brasileiro em compreender a importância da prevenção.
É o que avalia a clínica geral Yanaisa Fornaris Preval, responsável pelo atendimento na Unidade Básica de Saúde do Paraíso. “Há pacientes que não têm conhecimento sobre a própria saúde ou a importância manter uma alimentação adequada. Não há educação nesse sentido. Alguns chegam aqui e nem sabem que são hipertensos ou diabéticos. Por isso, é necessário um trabalho forte para mudar isso”, analisa a médica que notou outra diferença em relação a Cuba: a demora no encaminhamento de pacientes a outras especialidades.
RESULTADOS – Embora ainda não existam dados consolidados, uma vez que os cubanos iniciaram o atendimento há menos de um mês, já é possível verificar a melhora na relação médico-paciente.
Coincidentemente, Danae havia recebido uma boa notícia pouco antes de conceder entrevista à Comarca na manhã de terça-feira, 10. Depois de mais de três anos em profunda depressão, um paciente voltou para lhe informar a melhora em seu quadro poucos dias após o início do tratamento. “Hoje ele é outra pessoa, está dinâmico e disse que vai voltar a cuidar da família. Eu fiquei comovida. Só fico triste por pessoas ainda morrerem em decorrência de doenças que possam ser prevenidas”, confidencia.
De acordo com a médica, resultados como esse inspiram a trajetória dos cubanos. “Seguimos o exemplo de Ernesto Che Guevara, médico internacionalista, que lutou toda a vida por uma causa. Por isso, não temos fronteiras”, diz.
A médica, que atende uma média de 29 pacientes ao dia, também elogia a equipe do Vera Cruz. “As meninas estão sempre dispostas a ajudar. Os médicos que trabalham na unidade também são maravilhosos. Todos se colocaram à disposição e até disponibilizaram seus telefones para qualquer solicitação, o que me deixou muito tranquila”, aponta.
Além da cooperação no ambiente de trabalho, a vida social também tem recebido incentivo. “Temos o apoio de integrantes da Secretaria de Saúde que nos acompanham em eventos sociais”.
CUBA – Mesmo distante, Cuba é um tema recorrente entre os estrangeiros, seja pela curiosidade dos brasileiros, seja pela saudade da terra natal.
“As pessoas, em geral, não conhecem a realidade do nosso país, conhecem apenas as notícias equivocadas. Cuba é uma ilha maravilhosa, com muita dignidade, que tem muita coisa a ensinar ao mundo em matéria de saúde e educação. Para a maioria de nós, Cuba é sagrada. E nós a levamos no coração aonde quer que a gente vá”, finaliza a psiquiatra.