Retrocedamos oito décadas. No final dos anos 1930 a febre voraz da aviação tomou Avaré. Quem a contagiou? Os pilotos pioneiros que aterrissavam seus frágeis aviões em meio a campos áridos e cafezais da região.
A aviação paulista teve na cidade interessantes capítulos a serem ainda resgatados. A criação do nosso aeroclube, a exemplo de outros no Brasil, faz parte dessa história e resultou dos esforços da Campanha Nacional de Aviação, lançada nesse tempo pelo ditador Getúlio Vargas.
Pouco antes da 2ª Guerra, alguns políticos como Adhemar de Barros e Moura Andrade, promoveram a “Revoada da Sorocabana”. Outro fator a impulsionar o gosto pela aviação civil.
Assim surgiram pelo interior várias escolas de pilotagem. Qual objetivo? Acelerar a capacitação de pilotos através da disseminação de aeronaves de treinamento nos aeroclubes do país.
Inspirado nos grandes feitos aeronáuticos da época, o cirurgião-dentista Romeu Bretas, então prefeito municipal, reuniu um grupo de cidadãos ilustres e criou uma sociedade com o princípio básico de oferecer formação para pilotos civis.
A 17 de abril de 1940, em reunião realizada no prédio da antiga Intendência (na Rua Minas Gerais, esquina com Avenida Paulo Novaes, atual prédio da Polícia Civil), aconteceu a fundação do Aeroclube de Avaré. Sua finalidade: “incentivar e desenvolver a aviação, bem como proporcionar aos seus associados atividades recreativas e esportivas”.
Integraram a primeira diretoria o prefeito Romeu Bretas (presidente), o médico José Bastos Cruz (vice-presidente), o advogado Paulo Bastos Cruz (diretor técnico), o professor Paulo
Antunes e o poeta Duílio Gambini (secretários) e o médico Cazem Chaddad (tesoureiro).
Figuram como signatários da primeira ata, além dos diretores, o pároco, padre Celso Ferreira e Eurico Jayme Guerra, Mário Lima Beck, Stefano Monice, Luiz Bastos Cruz, Argemiro Cruz, Oscar Valente, Ludovico Lopes de Medeiros, Benedito Ferreira da Silva, Elpídio Martins, Alberto Martins da Costa, Tuffic Haddad e Nicolau Haddad.
A PRIMEIRA AERONAVE – Desenvolveu-se no país, durante a 2ª Guerra Mundial, uma campanha liderada pelo jornalista Assis Chateaubriand, através dos Diários Associados – “Deem Asas ao Brasil” – que pretendia formar pilotos para a reserva da Força Aérea Brasileira (FAB).
A iniciativa mereceu apoio do ministro da Aeronáutica, Salgado Filho, e com muita política, a ordem era adquirir e distribuir centenas de aviões para os aeroclubes fundados e que se espalhavam por todo o território nacional.
Prova é que, apenas três dias depois de criado, o Aeroclube de Avaré recebia o seu primeiro presente: um avião Stinson 105, de três lugares, motor Continental, trem de pouso hidráulico, todo azul, acabamento interno de fino luxo, doação do interventor Adhemar de Barros.
“O meu oferecimento não visa ao incremento da aviação como esporte; a sua finalidade, sobretudo, é profundamente patriótica. Faço votos que o avião doado a essa escola de pilotagem seja de real utilidade, servindo para incrementar o gosto pela aviação entre os jovens de Avaré”, ressaltou Adhemar.
CAMPOS DE AVIAÇÃO – O primeiro e improvisado “campo de aviação” de Avaré, como era chamado na época o rudimentar aeroporto local, funcionou precariamente nas imediações do bosque da CAIC. Foi inaugurado pelo aviador Mário Bastos Cruz, então secretário de Justiça. E em abril de 1928 foi palco de tragédias por conta de acidentes com vítimas fatais.
Nove anos depois, em novembro de 1937, a prefeitura construiu o segundo campo da aviação num amplo terreno de propriedade da família Mercadante, onde hoje é o recinto da Emapa.
Até fins dos anos 1970 nesse local ficava a pista de pouso de aeronaves, depois desabilitada pelo Departamento de Aviação Civil, que apontou a necessidade de um novo aeroporto, inaugurado em 1990.
Atualmente essa área se acha em obras: uma área para julgamento de animais e o novo jóquei clube da cidade estão sendo construídos para aumentar as atrações do Parque Fernando Cruz Pimentel, o recinto da EMAPA.
Contudo, as instalações do velho hangar ainda resistem e o prédio, que serviu para o Aeroclube, mantém vestígios de uma época marcante para a aviação em Avaré.
PRIMEIROS PILOTOS – A Escola de Pilotagem do Aeroclube de Avaré formou a sua primeira turma em 1941.
O primeiro voo solo realizado foi o de José Vicentini. Na manhã de 15 de agosto de 1941, ele decolou sozinho no Stinson 105. Treinado pelo instrutor Domingos Granuzo, mostrou habilidade no ar por 8 minutos. A parte mais difícil, a aterrisagem, ele a executou em excelentes condições. Animado com a performance, o piloto ofereceu ao instrutor, diretores e colegas “uma íntima chopada”, anota a imprensa da época.
Além de José Vicentini integraram a primeira turma de pilotos Armando de Aguiar Campos, Vicente Mamana Neto, Paulo Bastos Cruz, Nelson Pala, Alberto Pires Cruz, Ulysses de Freitas, Dante Tezza e Leônidas César de Castro.
Dos primeiros alunos brevetados, realce para o comandante Raul Bretas, filho do prefeito. Aos 14 anos, ele então descobriu a sua vocação para o serviço aéreo, tendo se profissionalizado como excelente piloto da aviação comercial.
Tantos outros pilotos notáveis – como os comandantes Luiz Gonzaga Lutti, Ademar Domingues e Pedro Luiz Dias da Fonseca – projetaram-se na aviação civil a partir da instrução recebida nessa escola.
O Aeroclube de Avaré merece, aos poucos, ter suas páginas reabertas, pois o seu papel de cidadania assinala um pedaço romântico da recente história avareense, feita de arrojadas manobras e impressionantes acrobacias no céu anil de uma cidade que agora é estância turística.
Texto adaptado do livro ‘Avaré em memória viva’, vol. I, de Gesiel Júnior, Editora Gril, 2010